terça-feira, 12 de outubro de 2010

Diálogos #9

Assim como marca textos servem para as páginas em que paramos nossas leituras, as amizades, teoricamente, são as ancoras que seguram a nossa individualidade num ponto sadio ou não – tudo depende do decorrer da trama do ‘livro’. Geralmente, a história é a mesma; sempre há um (ou mais de um) apelido, troca intima de segredos sobre a sexualidade – no ‘mundo masculino’ isso é fugaz, enquanto no ‘mundo feminino’ essa parte se efetua de maneira mais doce; teoricamente -, planos utópicos, primeiras experiências compartilhadas, dentre tantas pequenas coisas: as amizades são quase como quadrilhas desarmadas (algumas não são ‘quase como’: possuem armas mesmo!). O fato é que até certo ponto de nossa curta existência, a relação com outro ser; mais velho (velha), mais alto (alta), mais inteligente, enfim, diferente em alguma coisa (é claro), torna aquele modelo estático (pai e mãe) defasados – por mais legais que eles sejam (não importa) -, pois os pais criam seus filhos para o mundo, não? Efetivamente os pais não são os modelos de mundo para os filhos – ainda mais nesse século de tantos arrojos e ambições onde a família se desintegra e raros são os almoços de domingos com a mesa farta de tradição, desde ‘figurões caquéticos’ que comem sopa com colher e faca a gerações usando piercings em lugares ‘mal comentados’ pela anatomia. Mas, de exceção à regra há de se comentar que isto ainda existe – um pouco de tudo ainda existe (*até as ossadas dos dinossauros não deixam de ser (em representação) os próprios dinossauros*). O problema de discutir família é que cada uma tem o seu teor de concentração – por isso, só se pode fazê-lo de maneira generalizante (*admito não ser a correta*). Mas, o ponto exato em que a família se contorce para cadenciar as amizades de seus jovens, essa questão, essa sim, é plausível por resposta. Mesmo que antagônica a realidade, não há questão alguma já respondida que não possa ser rediscutida com outros sentidos, mesmo que a resposta seja a mesma ou, mesmo que a resposta não tenha averbação alguma.

- Ei pai... Você me compra um ‘smartphone’?
- O que que é isso?
- Ah pai... Não seja ‘retro’... É um celular inteligente que tem várias funções.
- Mas você já tem celular! Eu te dei um mês retrasado, ainda nem terminei de pagar.
- É... Eu sei pai... Mas com o ‘smartphone’ eu posso me comunicar instantaneamente com as minhas amigas via ‘twitter’, ‘orkut’, ‘Msn’ e ‘facebook’... Mais praticidade pra minha vida, entende?
- Claro, filha! Praticidade hoje em dia é ótimo! Mas tem uma coisa que eu ainda não entendo... E você pode me chamar de ‘retro’ se quiser.
- O que é, pai?
- Você não passa, praticamente, o dia todo com suas amigas? Escola, casa de não sei quem, aula de dança, casa de não sei quem, vôlei e casa de não sei quem...?
- É pai... Mas às vezes nem todas podem ir à casa de ‘não sei quem’, tá ligado? Daí fica difícil a comunicação... Além do mais, todas as minhas amigas já têm um ‘smartphone’, eu sou a única que não tem... Tá pegando mal pro meu lado.
- Nossa... Que situação difícil querida – disse o pai ironicamente.
Mas ao mesmo tempo em que se divertia com toda a situação, o ‘velho’ sabia que era perigoso brincar (ser irônico) com pêlos pubianos ou com sutiãs meias-taças. Tinha que achar uma maneira de sair daquela de ‘smartphone’ numa boa, deixando a filha com raiva (é claro), mas não com muita raiva.
Enquanto ela o olhava fixamente, ele fingia ler o jornal (a coluna de esportes – mais precisamente) pensando no que dizer a filha; ele sabia que ela já havia dito o que queria dizer. De repente, lhe surgiu uma idéia (não de toda infalível, mas que poderia adiar por alguns dias aquela conversa sobre ‘smartphones’), pois se ele, simplesmente, fosse rude e dissesse ‘não’, no final iria ser o péssimo pai que não havia comprado uma porcaria tecnológica de plástico para a filha de doze anos.
- Querida... Vamos fazer um acordo?
- Hum... Pode ser... De que tipo?
- Muito simples – respondeu ele. – Se você adivinhar o nome completo de minha mãe saímos agora mesmo comprar esse negócio pra você.
Primeiro ela o olhou indignada. Depois com vergonha e por fim com raiva. Em seguida exclamou:
- Não tem jeito! Vou pedir pra mamãe... ‘Retro’ é pouco! Quem é que sabe o nome da avó hoje em dia? A gente chama a avó de ‘avó’!
Olhando para o jornal, o pai ouviu as passadas altas da filha pela casa e o bater da porta do quarto e pensou: ‘ah, ela vai ficar brava por algumas horas... Essas crianças de hoje em dia são assim mesmo. ’ Depois, disse baixinho enquanto virava a folha do jornal:
- Eu sei o nome completo da minha avó...



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