quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Diálogos #10

Diâmetros não passam de superstições exatas acerca de alguma coisa; altura, peso, distância... Já as superstições, não são nada mais do que diâmetros imprecisos de nossas desajeitadas habilidades de encarar certos fatos. Existem abusões que vão totalmente / ilusoriamente / insignificantemente / existencialmente: além de qualquer compreensão ativa, transparecendo o forte sentido de ceticismo – tornando-se, portanto (para quem não se desmembra ao circulo da discussão), uma profecia ou, pior ainda, uma religião. A brincadeira mais furtiva do século vinte e um é a de mexer com as bases morais e ideológicas de uma pessoa a tal ponto em que ela acredite que ‘a salvação’ (seja lá o que isso signifique) dependa não mais dela, e sim, dos outros. Isso não se encaixa ‘meio’ estranho? Não parece haver interesse nesse tipo de atitude que teima em controlar (a simples e boa vontade)? O pior de tudo é que tamanhos e reais são os desgostos de dedicar tempo, fé, compaixão e, literalmente, ‘dar a cara a tapa’ e em seguida descobrir que a ‘salvação’ talvez tenha um ônus a mais... Quanto maior for a glória do santo, mais cara será a penitência a ser paga. Em paralelo, há de se admitir que ‘os heróis’ de nossas infâncias também enriqueceram com a nossa superstição (e continuam a enriquecer) – mais precisamente não eles, mas seus criadores ou/e detentores de direitos autorais -; só que pouco mexem com a nossa moral e ética de sobrevivência cotidiana, mensal e anual (*estamos falando de adultos, okay? – Ratificar aqueles que possuem a ‘síndrome de ‘Peter Pan’*). O dinheiro que lhes é atribuído por nós vem/vai de merchandising, cinema e entretenimento em geral. Sem dúvida, a conclusão é de que ‘superstição’ (na medida certa, na cabeça errada) gera uma grana astronômica. Todos nós estamos passíveis de cair nessas garras (na voz do outro)... A nossa única habilidade de defesa é a discussão. Mas como se discute uma superstição? Impor ideais não é discutir coisa alguma. A parte importante é dar-se ao trabalho de ouvir, depois ao de pensar e por fim, ao de falar. Por natureza, ninguém é obrigado a acreditar em nada mais do que em si mesmo.

Num dia qualquer, numa hora qualquer, uma voz bradou em meio à rotina delirante do capitalismo – pedindo atenção. A força da voz podia ser comparada a altura do barulho de um trovão, mas ao mesmo tempo em que era firme, também era doce. Disse:
- Oh, grande povo. Venham a mim. Quem me seguir terá conforto e harmonia em seus corações!
Em uma quadra movimentada, três pessoas abandonaram os carros que dirigiam e desesperadas correram em direção a uma espécie de clarão num terreno baldio... Elas gritavam:
- É A SALVAÇÃO! É A PROFECIA!
Apenas três pessoas (daquela quadra – que deveria conter umas cem, naquela hora do dia) correram para o clarão. O resto ficou olhando abismado para a luz, esperando que a voz oferecesse algo mais (ou apenas se revelasse).
- Sou pai de toda a humanidade, mas digno do abraço de apenas três de meus filhos? – Perguntou a voz um pouco irritada. – Venham a mim, não tenham medo da eternidade e do infinito.
Dito essas palavras, umas vinte pessoas caminharam, sem pressa em direção a luz. Mas, estranhamente, algumas das que não foram – que estavam em pé fora dos carros apenas a observar toda aquela situação única – trancaram-se dentro dos carros e, curiosamente, ligaram os alertas e começaram a buzinar.
- Vinte e três? – Indagou a voz, como se perguntasse a alguém mais próximo. – O resto de vocês prefere trocar a eternidade por esse mundo que é apenas de passagem?
Logicamente, ninguém respondeu nada. Algum tempo em silêncio se passou, a luz continuou a brilhar enquanto, aos poucos, a maioria das pessoas se dirigiu em direção a ela. Depois de um tempo, o fluxo de gente estagnou-se. A voz respondeu:
- Ah, ótimo! Oitenta e uma pessoas, – fez uma pausa - é mais do que suficiente. Agradeço ao budista, aos seis ateus, aos cinco céticos, as duas lésbicas com medo e aos cinco mulçumanos por não terem vindo em direção a luz, ou a nave – como vocês preferirem, agora que já não importa –. Teríamos excesso de peso caso, pelo menos, dez ou vinte por cento não ficasse fora de nossa ‘brincadeira’. Agradecemos de verdade – fez uma pausa breve. - Agora, podem continuar levando a vida medíocre de vocês enquanto nós damos o fora daqui rapidinho, certo?
Não houve resposta daqueles que não tinham crença naquilo e daquelas duas que tinham medo. Continuaram vivendo ‘vidas medíocres’; De bares menos lotados... Inventando a cada alvorecer, bêbadas superstições sobre o que tinha realmente acontecido naquele dia do clarão.
Foi inevitável o surgimento de uma nova religião.

A.A>