domingo, 10 de outubro de 2010

Diálogos #6

Sentir saudade é o sentimento mais infortuno que existe, pois a saudade não tem volta. Curiosamente, a palavra ‘saudade’ existe apenas no dicionário da língua portuguesa, sendo, casualmente, confundida com expressões como: “até logo” ou “sentir falta”. Mas não, infelizmente não. A saudade significa algo muito mais triste e menos difícil de interpretar: ela significa a perda eterna. Não podemos sentir saudade do que ainda temos (pessoas ou bem materiais - que nos são afastados por diversas circunstâncias do destino); podemos é “sentir falta” do que temos. A ausência se define como certo tipo de ‘saudade parcial’, já que, tornou-se costume assemelhar ambas as palavras, mesmo que elas não possuam o mesmo sentido final semiótico, tanto para a literatura quanto para a vida humana. Um exemplo simples dessa discrepância é a palavra ‘saudosismo’ que se ampara na semiologia de ‘saudade’ para remontar um cenário histórico cujas peças se dilaceraram, ou, apenas ficaram a ‘mercê’ daqueles que desistiram do presente. Por outro lado, há um termo muito parecido, em sentido, denominado: “nostalgia” que, particularmente, deixa de se equiparar a saudade pelo fato (mais do que estrondoso) de se relacionar a devaneios e a utopias – não necessitando, portanto, de explicações.
Entretanto, apesar das devidas distinções e definições dos termos, sempre houve, há e haverá uma curva / ponto / cruzamento / rotatória – estes definidos pela mais louca das palavras (de explanação soberba): o ‘acaso’ -, algo extremamente fulminante que pode deixar marcas de “até logo”, “nostalgia” ou: “saudade”.

Domingo, 03 de Outubro de 2010, 05h13min:
- Eu não quero morrer! Não me deixe morrer... Não era nem para eu estar aqui...
- Você não vai morrer! Não fale mais... Preciso que você fique imóvel. Entrar em pânico ou falar pode piorar o seu resgate. Fique calmo. Logo nós te tiramos daí.

E aquele ‘garoto’ (que tinha asas até em seu apelido) realmente não falou mais nada e não entrou em pânico nenhum. Perdeu a consciência poucos minutos depois de pensar em todas as pessoas que tinham certo significado em sua vida - ser nostálgico -, e viajando numa espécie de depois, ele sentiu que algo o abraçava de dentro para fora, levando embora toda a dor e angústia: restando um vazio perplexo a ser preenchido.
- Onde estou?
- Eterno, maninho...
Ao olhar na direção do som da voz, o garoto desabou. Encontrava-se triste e feliz ao mesmo tempo e, acima de tudo confuso; cheio de perguntas a fazer a quem quer que fosse. A voz que ouvia, e o rosto que reconhecia muito bem era de seu irmão mais velho que havia morrido há doze anos (será que o tempo ainda importava naquele lugar?); uma perda irreparável que deixara muita “saudade” em seu coração (agora tranqüilo – a não ser pelo sentimento forte de pesar que persistia, por um sussurrado motivo).
- Mano! Você não mudou nada! Que falta senti de você!
- Antes que você pergunte as milhões de coisas que sei que pretende, já vou lhe responder algumas; Por aqui, não há tempo, portanto, não há idade nem aparência. Alias, você me vê do jeito que você quiser! Você não sabe, mas eu estou lhe vendo como um ‘molequinho’ de onze anos de idade, e tua voz tá estridente – deu um sorriso largo e contagiante que, aos poucos, foi se diminuindo. - Outra resposta que você deve ansiar de imediato: é ‘sim’, você morreu. Provavelmente, não deve lembrar-se de como e pode estar a se perguntar ‘por quê’ e ‘pra quê’? Já lhe adianto que remoer essas questões são algumas de nossas iniqüidades por aqui... Com o tempo você aprende a lidar com isso – afinal, não importa como chegamos, e sim, o que de gratificante fizemos para chegarmos aqui. Entende isso, maninho?
- Entendo... Mas e quanto a essa tristeza sem peso nem tamanho que sinto? O que é isso?
- Infelizmente, quanto a isso nada se pode fazer. Esse sentimento não é seu. Todo esse pesar é das pessoas que sentem “saudades” suas. Sabe, eu também sinto isso, mas com a sua chegada a minha tristeza diminuiu muito. A única coisa que você pode fazer é esperar aqui, nesse lugar sem tempo, sem tédio, onde não há cansaço: pela vinda das demais pessoas (das que merecem vir para cá) que sentem “saudades” suas. Essas pessoas estão assustadas, acham que te perderam para sempre e, bem, algumas sim, mas para a maioria é apenas um “até logo”, como está sendo para nós dois com a sua chegada.
- É, acho que compreendo bem. No fim das contas eu nem tinha tantas perguntas assim – e o recém hóspede livre do tempo bradou o primeiro sorriso tímido. – Então, o quanto você tem pra me mostrar daqui? O que fazemos primeiro?



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