segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Conto #4

"Consulta com psiquiatra capitalista"

(Adaptação)


Antes de entrar num consultório de psiquiatria, nunca me perguntei ‘o que é a vida?’, ou algo do tipo; sempre ‘brinquei’ de estar jogando videogame em primeira pessoa – raramente medindo as conseqüências dos meus atos, se bons ou ruins pra mim e pra quem estava a minha volta.
Depois de entrar num consultório de psiquiatria, me convenceram de que eu tenho um monte de coisas e de que não existe cura, apenas “ADAPTAÇÃO”.
*
Não me acostumei a ser o que eu não quero e nunca quis ser. Por isso, tantas vezes abusei das medicações que me deram na esperança de achar um ‘estado de êxtase’ perdido... O que eu encontrei foram algumas internações, nada mais.
Hoje me acometo a ânsia de viver e, sinceramente, acho que esse desprazer todo ainda vai ser útil – só pode! Não paro mais pra pensar em coisas simples; a simples percepção tornou-se um labirinto de perplexidade e somas de ignorância.
*
Quero contar uma história sem data e, deturpada:

Ele pergunta:
- Melhoras?
Digo eu:
- Pra quem?
O Doutor não responde a minha pergunta, apenas escreve em sua prancheta.
Penso eu:
“... não agüentaria levar uma vida como a desse cara; parece que ele odeia todo mundo que ‘atende’ e, não pode se expressar; acho que ele tem mais raiva do que tristeza. Ah, isso sim... com certeza”.
Meus pensamentos são interrompidos pela voz arrogante do médico:
-E a medicação?
Com espontaneidade, como no jogo de associação de palavras, eu respondo:
-Que que tem ela?
Novamente, o ‘senhor especialista’ procura a tangente e faz rabiscos na prancheta.
Deve pensar ele:
“Esse cara não tem jeito. É só com eletroconvulsoterapia ”.
Penso eu:
“Lá vem pico (HALDOL® 1 ml). O que eu fiz?!”
Diz ele:
- Bem, ‘senhor ninguém’. Eu pensei muito sobre seu caso (cerca de dois minutos) e por enquanto não há que fazer. Apesar das ciclotimias o senhor parece estar estável sem nenhuma alternância exacerbada em direção a distimia ou euforia. Entretanto, seria conveniente a duplicação das doses dos benzodiazepínicos que o senhor toma, devido a perca contínua da eficácia e ‘blá, blá, blá’...
Enquanto ele discursa, eu penso:
“Seria interessante eu parar essa fala medíocre e dizer algo do tipo: ‘eu sou gay’, ou, ‘você é gay’, ou ‘nós somos gays’ – só pra testar a reação dele e, acho que eu fiquei com um pouco de vontade de um pico.”
Ele termina a ‘mini palestra’ dizendo:
-Ok? Estamos entendidos?
Digo eu:
- Sim. Continuo com meus quatro compridos por dia de Lithium e aumento a dose do ansiolítico?
Ele diz:
-Isso. Até daqui a seis meses.
Sem dizer ou pensar mais nada, eu saio pela mesma porta que entrei. Tenho de voltar de ‘tempos em tempos’ pra pegar receitas e, quando estou com o humor “UP”, dar em cima da bonita secretária mais nova que eu.


*Esta é uma pequena parte da curta ou longa história da vida de quem tem a mente em ‘liberdade condicional’.

A.A>